Advogado * Professor * Palestrante

Consultor Jurídico Especializado - Professor em Cursos de Graduação e Pós-Graduação; Mestre em Direito Difusos e Coletivos - Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho - Examinador da Comissão Permanente de Estágio e Exame de Ordem – OAB/SP e Membro da Comissão de Prerrogativas - OAB/SP; Palestrante e realizador de workshops. *Foi apresentador do Programa Direitos e Deveres do Cidadão na TV Geração Z Conteúdo UOL.


24 de maio de 2010

Futebol, Direito e Justiça, por Rizzatto Nunes

Futebol, Direito e Justiça – *Por Rizzatto Nunes

Com o pontapé inicial para a copa do mundo de futebol deste ano, dado com a convocação dos jogadores que integrarão a seleção brasileira, não posso deixar passar o tema em branco.

Já se disse que dá para comparar o processo judicial com o jogo de futebol e suas regras. Este é um jogo, é verdade, mas que tem: a) começo, meio e fim; b) limites físicos bem delimitados; c) números de participantes fixos e que podem diminuir; d) regras de funcionamento que não podem ser quebradas e: e) um árbitro ou juiz de futebol para decidir sobre essas regras e o funcionamento do jogo (com seus auxiliares bandeirinhas).

O processo civil é formalmente parecido, com algumas diferenças: a) tem começo, meio e fim. Mas, ao contrário do futebol, o meio pode ser demorado e o fim também. Lá são 90 minutos mais algum tempinho, dependendo do andamento da peleja e só;

b) Os limites físicos são também delimitados: os autos do processo, onde vige o aforismo “o que não está nos autos não está no mundo”;

c) O número de participantes não está definido “a priori”, mas está ligado do direito reclamado. Variará de acordo com o tipo de demanda. Durante o processo pode aumentar ou diminuir;

d) O processo também tem regras próprias e que servem para que sejam julgadas as demais regras em jogo, isto é, servem para se analisar e decidir sobre as normas de direito que estão sendo discutidas. Os profissionais envolvidos no processo devem cumprir essas regras do jogo processual;

e) O julgamento será feito por um Juiz de Direito (que também pode se servir de auxiliares: os peritos).

Muito bem. Para o direito, dentre os vários temas importantes, dois são fundamentais: o da Verdade e o da Justiça. No processo, o que se espera obter é a verdade dos fatos e um resultado justo. Mas, no futebol, não é assim, aliás não é assim escancaradamente.

Se um jogador chuta uma bola que bate no travessão superior e desce por dentro da linha do gol e no ar o goleiro a coloca para fora, é gol, claro. Mas digamos que o juiz não dê. Se não der, não será gol. E nem importa o porquê ele tenha feito isso: se porque estava longe e não viu ou se porque, de má-fé, não quis dar. Não é gol e pronto.

Depois, a tevê fica mostrando vídeos deixando patente que a bola entrou. Mas, de nada adianta: não foi gol e o jogo acabou, ainda que todo mundo saiba que a bola entrou. É justo? Não, não é.

A questão é que, no fundo o princípio vigente no futebol não é o da busca da verdade, mas apenas e tão somente o da autoridade do árbitro. Este, intocável em suas decisões dentro do gramado, transforma sangue em água; areia em ouro. É um mágico. Capaz de mudar o real. Ou uma espécie de ditador nomeado e aceito.

Quando vieram os vídeos, com os tira-teimas e repetições, eu pensava que as coisas mudariam, porque o mágico árbitro teria contra si o fato real para demonstrar seu erro, mas nada mudou. Permanece o regime autoritário de permitir que o árbitro modifique o real a seu bel prazer, doa a quem doer. E, olhe que, em tempos atuais, isso pode significar muitos milhões de reais ou dólares, porque a mudança de um único resultado pode impedir ou levar um time à final de um campeonato importante; ou a um torneio importante, valorizar o depreciar clubes, técnicos e jogadores etc. É, de fato, muito poder concentrado com alto grau de permissividade.

Ainda bem que o processo não é assim. Lá é diferente, não porque não possa haver erros, pois errar é humano: o sistema de recursos permite a modificação das decisões, pois, como dito, o que vale é a busca da Verdade e o encontro da Justiça, algo muito distante do jogo de futebol.

Mas, o futebol não para aí em matéria de analogia com o Direito. Vamos pensar nos regimes políticos e nas seleções. A seleção brasileira, por exemplo. Seu técnico tem uma função de Rei ou Imperador. Age como bem entende e tomas as decisões que quiser, sem ter que dar satisfação a ninguém.

Veja a expectativa de uma convocação de jogadores para compor a seleção que irá ao mundial. Não são os melhores jogadores que estarão na lista, mas tão somente aqueles que o Imperador definir como “melhores”, algo subjetivo e sem obrigação real de justificativa (embora existam razões para acreditar que ele esteja sujeito a influências internas). Como um Imperador romano na arena, cabe a ele levantar o dedão para salvar este ou aquele jogador ou virar o dedão de cabeça para baixo para aniquilá-lo (pelo menos até a próxima convocação e oportunidade; ou para sempre se ele estiver no fim da carreira). Claro que, publicamente, o técnico se justifica, mas vale apenas o que ele decide, vale o que ele pensa que é justificativa, pois sua defesa não é avaliada.

De nada adiantam aos apelos da população de torcedores, nem dos jornalistas especialistas que deveriam influenciar o império. Como vassalos, eles morrem com a esperança de que o soberano tenha acertado. Este apenas diz o que quer e pronto. Está acabado. Não deve satisfações a ninguém, ainda que possa colocar sua nação em risco. Ainda que, decidindo erradamente, coloque a perder a batalha, a guerra ou o campeonato que seus convocados enfrentarão.

É. Para nós, estudantes de direito, trata-se de um bom exercício de pensamento, que mostra que, cada vez mais, devemos nos esforçar para manter em funcionamento a democracia, para que lutemos pela verdade e pela Justiça, ao menos nos outros setores da sociedade.

PS:

Há uma outra teoria que pretende explicar um eventual fracasso da seleção brasileira na Copa:

O futebol, na atualidade, é um dos maiores negócios do mundo. Adotando os modelos das grandes corporações da sociedade capitalista contemporânea, os cartolas conseguiram criar um modelo de oferta de entretenimento altamente rentável.

Não me alongarei aqui, mas veja, nesse exemplo, a inteligência dos formatos dos vários tipos de competições existentes. A disputa entre os times é mais ou menos sem fim. Todos concorrem a alguma vaga, ou no grupo dos 4 ou dos 8 de cima ou dos 4 ou dos 8 de baixo e, mesmo não vencendo, conseguem se classificar para outras competições ou, pelo menos, não são rebaixados. E, até nas competições de baixo, a disputa segue o mesmo padrão etc. Tudo a fazer com que os consumidores, isto é, os torcedores, fiquem praticamente o tempo todo do ano ligado nos jogos de seu time, num espetáculo sem fim, cujo objetivo maior é faturar.

A Copa do Mundo de Futebol, além de um grande espetáculo, é, de fato, um enorme negócio que envolve bilhões de dólares. Está em jogo um grande lucro dos empresários envolvidos no negócio financiados pelos patrocinadores, afetando os meios de comunicação televisivos, os fabricantes de roupas e calçados, os editores etc.

Não fica bem, dizem, que o Brasil possa ser campeão muito mais vezes que os outros países, pois, certamente, isto traria desânimo aos torcedores, o que pode significar prejuízos aos patrocinadores e demais agentes empresariais globais envolvidos. É preciso que haja maior equilíbrio de forças entre as seleções. Não é bom para os negócios que o Brasil fique muito à frente.

Por isso, pode vir bem a calhar a formação de uma seleção que não contemple os melhores jogadores. Quem sabe o Brasil perca para o bem do campeonato e dos bilhões envolvidos. Nós continuaremos a ser o maior celeiro produtivo de craques que existe, mas isso foi assimilado e transformado em dólares e, portanto, aceito.

Mas, vencer de novo, ah!... Isso já é demais, fora o prejuízo.

E a teoria lembra que a próxima Copa do Mundo será no Brasil. Nós vamos ganhar essa e perder a próxima, confirmando o fiasco de 1950? Ou vamos ganhar esta e a próxima? Tudo isso? Parece demais mesmo. É bom nos contentarmos em perder essa para podermos ganhar a próxima aqui no Brasil.

Se quisermos, podemos torcer contra a teoria. Evidente que, se o Brasil ganhar esta Copa do Mundo – que é o que todos nós esperamos – essa teoria não vela nada.

Mas que faz pensar, faz.

Obs. Texto gentilmente cedido pelo autor, Desembargador Rizzatto Nunes, ao qual agradeço e rendo minhas homenagens.

* Mestre e Doutor em Filosofia do Direito e Livre-Docente em Direito do Consumidor. Foi advogado por 18 anos e atualmente Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo; Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unimes/Santos (Mestrado e Doutorado). Escreveu vários livros, dentre temas jurídicos, filosóficos, contos e romances.